segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O cinema expressionista alemão



O expressionismo alemão é uma cultura de crise, reflexo do profundo desalento espiritual gestado nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial. A face da morte, estampada nos rostos de milhões de jovens precocemente ceifados, despertou os sentimentos de terror, misticismo e magia, adormecidos nas mais recônditas paragens da alma alemã. A certeza positiva dos sonhos de glória do imperialismo germânico cedeu espaço à sombra da derrota, da humilhação e do desespero. O renascimento do horror foi, pois, o fermento ideal para o surgimento do espírito expressionista, fim de todas as ilusões de poder alimentadas pela lucidez delirante da Era Bismarckeana. Povoado de incertezas e sombras, surgia, inclemente, um novo mundo, e o movimento expressionista, apoteose do indistinto e do vago, se transformaria na estética perfeita para esta realidade atroz.
Como adverte a escritora alemã Lotte H. Eisner, a principal historiadora do cinema alemão, "não é uma tarefa fácil penetrar na fraseologia expressionista alemã". Joga-se com expressões vagas, forjam-se cadeias de palavras combinadas ao acaso, procura-se o significado "metafísico" das palavras, inventam-se alegorias místicas, desprovidas de lógica e sentido, que são virtualmente intraduzíveis. Esta linguagem, carregada de símbolos, insinuações e metáforas permanece propositalmente obscura, sendo de acesso sumamente difícil para as línguas e mentalidades latinas. Pode-se afirmar, portanto, que aqueles que não estão familiarizados com o idioma alemão, compreenderão melhor expressionismo através da música, das artes plásticas e do cinema. A tradução cinematográfica da alma e da estética do expressionismo germânico é o objetivo deste trabalho. Antes, todavia, é preciso examinar em que consiste a fenomenologia expressionista.
O expressionismo, declara o teórico alemão Kasimir Edschmid, reage contra o "estilhaçamento atômico" do impressionismo, que reflete as cintilações equívocas da natureza e seus matizes efêmeros; luta, ao mesmo tempo, contra o naturalismo e seu objetivo mesquinho: fotografar a natureza ou a vida cotidiana. A reprodução da realidade tal como ela existe é inútil e desnecessária, e talvez tenha se tornado impossível.
O expressionista já não vê, mas tem "visões". Ou seja, a realidade não é mais contemplada segundo os dados dos sentidos, mas o homem consegue tão somente projetar "visões" subjetivas e interiorizantes do Real. Segundo Edschmid, a cadeia de fatos já não mais existe, existindo tão somente a visão interior que provocam. É preciso aprofundar sua essência, discernir o que há além de sua forma acidental. É o artista que, trespassando-os, se apodera da forma real que há por trás deles, e permite o conhecimento de sua essência verdadeira. O artista expressionista procurar, em lugar de um efeito passageiro, o significado eterno dos fatos e objetos. Devemos - dizem os expressionistas -, nos desligar da natureza e tentar resgatar a "expressão mais expressiva de um objeto", pois somente assim sua aura visível pode ser atravessada.
A vida humana, destaca Edschmid, ultrapassa o indivíduo e participa da vida do universo. Nosso coração bate no mesmo ritmo do cosmos. Na dinâmica do expressionismo, o homem deixa de ser um elemento ligado a uma moral, a uma obrigação social, a uma família, a uma moral religiosa, a uma sociedade. A vida do expressionista escapa à lógica financeira do burguês e à força das causalidades. Livre de todo o mesquinho remorso burguês, não admitindo senão o livre jogo de sua sensibilidade, ele se abandona a seus impulsos. A imagem do mundo se reflete no expressionista em sua pureza primitiva, a realidade é subjetiva e existe apenas em nós. O expressionismo significa um subjetivismo levado a extremos, a afirmação de um Eu totalitário e absoluto, que forja o mundo a sua imagem e semelhança.

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